O anúncio do Banco Central elevando a taxa Selic para 15% ao ano surpreendeu o mercado e reacendeu o faro dos investidores atentos. Com um cenário ainda permeado por incertezas macroeconômicas e uma Bolsa que patina diante de entraves fiscais e políticos, a renda fixa, segura por definição, volta a se destacar com brilho próprio. Mas não basta aplicar aleatoriamente em qualquer título de dívida — é preciso estratégia, conhecimento e, acima de tudo, visão de longo prazo.
A elevação da Selic transforma o perfil da renda fixa. Títulos que antes eram considerados pouco atrativos, como o Tesouro Prefixado, ganham nova luz. Outros, como o Tesouro Selic e os papéis atrelados ao IPCA, consolidam-se como pilares de um portfólio bem estruturado. A pergunta que paira no ar é: com os juros tão altos, como aproveitar ao máximo esse momento sem abrir mão da segurança?
A seguir, você entenderá como montar uma carteira eficiente, o que dizem os especialistas e quais setores resistem melhor às turbulências com potencial de entrega de bons retornos — tudo com a clareza de quem conhece o terreno onde pisa.
Tesouro Selic: o porto seguro dos tempos turbulentos
Quem procura liquidez diária, ausência de surpresas negativas e uma rentabilidade consistente encontra no Tesouro Selic o aliado ideal. Por estar atrelado à taxa básica de juros, ele entrega retornos proporcionais à Selic, o que o torna quase imbatível quando os juros estão em patamares elevados.
Victor Furtado, head da W1 Capital, resume com precisão: “É a opção ideal para quem não quer oscilar, quer segurança e rentabilidade justa”. Ideal para a reserva de emergência ou para quem prefere aguardar oportunidades mais ousadas sem deixar o dinheiro parado, o Tesouro Selic garante previsibilidade — algo cada vez mais raro em tempos voláteis.
Tesouro IPCA+: a proteção contra a inflação desancorada
O Tesouro IPCA+ é a escolha óbvia para quem quer não apenas proteger o poder de compra, mas garantir ganhos reais acima da inflação. Com a inflação ainda fora das metas e instabilidades no horizonte, títulos atrelados ao IPCA tornam-se fundamentais para quem pensa em longo prazo.
Camilla Dolle, da XP Investimentos, aponta que a rentabilidade real dos papéis está elevada e destaca: “É uma boa oportunidade para travar um juro real de cerca de 7% por ano por cinco ou seis anos”. A estratégia é clara: garantir retornos que superem o CDI, mesmo com oscilação nos preços no curto prazo.
Lucas Ghilardi, da The Hill Capital, reforça: “O IPCA+ é nossa principal recomendação, pois entrega consistência, previsibilidade e proteção em um cenário macro incerto”.
Tesouro Prefixado: a joia antes esquecida que voltou a brilhar
Antes desacreditado em meio à escalada da Selic, o Tesouro Prefixado ressurgiu com potencial interessante. Com os juros supostamente perto do teto, travar uma taxa nominal acima de 13% ao ano agora pode garantir lucros gordos no médio prazo.
Leonardo Araújo, sócio da GT Capital, explica que “quando o mercado começa a precificar o fim do ciclo de alta, os prefixados ganham valor”. Isso porque, ao garantir hoje uma taxa elevada, o investidor lucra mesmo que os juros caiam nos próximos trimestres. Há inclusive chance de valorização dos papéis no mercado secundário.
A dica dos especialistas? Foco nos vencimentos de médio prazo, especialmente entre 2026 e 2029, onde os prêmios estão mais robustos.
Crédito privado: cautela, análise e boas oportunidades
Os títulos corporativos — como debêntures, CRIs, CRAs, LCIs, LCAs e CDBs — seguem atraentes, mas requerem mais cuidado. O desafio, aqui, não é a rentabilidade, mas a saúde financeira das empresas emissoras.
Luiz Christ, da Principal Asset, destaca: “Com a Selic elevada, o custo da dívida sobe, e nem todas as empresas têm estrutura de caixa para suportar isso por muito tempo”. Ainda assim, companhias sólidas, especialmente nos setores de energia, saneamento, rodovias e bancos de primeira linha, continuam oferecendo papéis com risco controlado e retorno ajustado.
Camilla Dolle lembra que os spreads — a diferença entre o retorno desses papéis e os títulos públicos — diminuíram após mudanças na tributação, como a MP que extingue isenções para debêntures incentivadas e letras de crédito. Por isso, é hora de ser seletivo.
FIDCs: o investimento que une rentabilidade e diversificação
Para quem busca mais retorno sem abrir mão de uma boa diversificação, os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) surgem como alternativa de destaque. Com exposição a recebíveis de empresas de diferentes setores e histórico de baixa inadimplência, esses fundos têm atraído gestores e investidores sofisticados.
Luiz Christ confirma: “Temos focado mais nos FIDCs porque eles têm oferecido prêmios atrativos, bom histórico e diluição de risco. São menos conhecidos, mas vêm crescendo muito”.
Esses fundos, geralmente acessados via plataformas especializadas ou fundos multimercados, exigem análise criteriosa, mas podem compor uma parcela valiosa do portfólio de renda fixa com viés mais agressivo.
Duração certa, setor resiliente: o segredo está no equilíbrio
Para quem não deseja correr riscos excessivos, as casas mais conservadoras vêm encurtando a duration dos papéis — ou seja, reduzindo o tempo de exposição para minimizar volatilidade. Marcelo Peixoto, da Trígono, explica que “damos preferência a empresas não cíclicas e setores resilientes como saneamento e energia elétrica, que não são tão impactados pela oscilação da atividade econômica”.
Em momentos como o atual, onde o custo de oportunidade de ficar fora da renda fixa é altíssimo, o melhor caminho pode estar na diversificação entre pós-fixados, indexados à inflação e prefixados — com uma pitada, é claro, de crédito privado bem analisado.